Biólogo Luiz Henrique Pedrosa já levou picada de jararaca, mas fora do serpentário da USP
Foto: Matheus Urenha / A CidadeBiólogo cuida do serpentário da USP há 27 anos
A fala mansa com um falso sotaque
mineiro e o jeito tranquilo do biólogo Luiz Henrique Pedrosa, natural de
Mococa, nem de longe antecipam o que faz para ganhar a vida. Há 27 anos
na Faculdade de Medicina de Ribeirão da Universidade de São Paulo, ele é
o responsável pelo serpentário da USP.
Trabalha diariamente com
cerca de 250 cobras, sobretudo cascavéis e jararacas, répteis cujas
picadas podem causar a morte de forma extremamente dolorosa. Tem com
elas uma relação de carinho e respeito que a maioria das pessoas nem de
longe deseja ou sonha ter. É um encantador de serpentes dos tempos
modernos, mas também o provedor de uma matéria-prima vital para
pesquisas na área da Toxicologia.
Nas três décadas dessa estranha
e perigosa convivência, ele garante ter sido picado somente uma vez.
Mesmo assim, fora do serviço. "Estava em casa quando apareceu uma pessoa
com um saco e uma jararaca dentro. Quando fui pegá-la, a boca do saco
estava meio solta e ela me picou", conta. Sobreviveu, mas ficou quatro
dias no hospital.
Apesar do susto, não ficaram maiores sequelas
do ocorrido. Pelo contrário. "Não trocaria este emprego por nada. Sou
completamente apaixonado por cobras", revela.
A paixão por um
dos animais mais temidos e odiados pelos seres humanos começou cedo, aos
oito anos, quando já levava para casa cobras para exames mais
detalhados. Quase sempre levava os pais à loucura e entre um e outro
puxão de orelhas, a ligação com os répteis permaneceu. "Acho que esse
foi o principal motivo que me fez ir para a Biologia", conta.
Pesquisa
O outro é menos pessoal, mas igualmente importante. A principal atividade do serpentário da USP é coletar o veneno das quase três centenas de exemplares, que depois será utilizado nas várias áreas de pesquisa da universidade.
O outro é menos pessoal, mas igualmente importante. A principal atividade do serpentário da USP é coletar o veneno das quase três centenas de exemplares, que depois será utilizado nas várias áreas de pesquisa da universidade.
O local de trabalho de Luiz Henrique é
uma casa localizada no Biotério. O serpentário fica numa sala com quinze
metros de comprimento por dois de largura, com telas em todas as
janelas e somente uma saída. A temperatura interna fica entre 27 e 28º
C.
Caixas numeradas abrigam as serpentes. Uma das ocupantes da
caixa 131 foi a que picou Luiz Henrique. As moradoras do serpentário são
alimentadas a cada 15 dias, geralmente com pequenos ratos. As coletas
são feitas a cada cinco semanas e a quantidade de veneno obtida depende
do tamanho do animal e da espécie. Em média, as cascavéis produzem cerca
de 20 miligramas por extração e as jararacas em torno de 50 miligramas.
Os venenos são coletados em placas de Petri e depois secos sob vácuo,
podendo assim ser estocados em geladeira por vários anos sem perder suas
propriedades.
Longevidade
As cobras têm longevidade de cerca de 30 anos, o que significa que muitas delas passaram a vida ao lado de Luiz Henrique. Será que elas já o reconhecem? "Não posso dizer que sabem que eu sou, mas pode ser que elas já reconheçam o cheiro, o timbre da voz. O que eu sei é que elas ficam mais dóceis quando chego", conta.
Dóceis, com certeza, é um adjetivo que pouca gente poderia associar a uma cobra. "É verdade, são animais dóceis, mas com os quais devemos ter muita atenção. Afinal, um acidente com elas pode ser o último das nossas vidas", complementa.
As cobras têm longevidade de cerca de 30 anos, o que significa que muitas delas passaram a vida ao lado de Luiz Henrique. Será que elas já o reconhecem? "Não posso dizer que sabem que eu sou, mas pode ser que elas já reconheçam o cheiro, o timbre da voz. O que eu sei é que elas ficam mais dóceis quando chego", conta.
Dóceis, com certeza, é um adjetivo que pouca gente poderia associar a uma cobra. "É verdade, são animais dóceis, mas com os quais devemos ter muita atenção. Afinal, um acidente com elas pode ser o último das nossas vidas", complementa.
Nesses
30 anos de convivência diária com as cobras, uma foi especial. "Havia
uma jararacuçu da qual gostava muito. Ela acabou morrendo de velhice.
Foi muito triste", revela. Definitivamente, Luiz Henrique Pedrosa não é
uma pessoa normal. Ou é? "Pensando bem, acho que não. Mas gosto muito do
que faço, sobretudo por ver que o meu trabalho aqui pode ajudar a
salvar muitas vidas", completa.
Veneno da jararaca salva hipertensos
Uma das pesquisas brasileiras mais conhecidas envolvendo o uso de veneno de cobra foi feita na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e culminou com a criação de um remédio que fatura cerca de US$ 5 bilhões/ano e atende a milhões de hipertensos.
Uma das pesquisas brasileiras mais conhecidas envolvendo o uso de veneno de cobra foi feita na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e culminou com a criação de um remédio que fatura cerca de US$ 5 bilhões/ano e atende a milhões de hipertensos.
O
remédio chama-se Captropil e foi desenvolvido entre o final da década
de 1960 e a de 1970 pelo pesquisador Sérgio Henrique Ferreira, hoje
aposentado da USP. As pesquisas lideradas por ele envolveram o veneno
de jararaca.
O pesquisador descobriu e isolou toxinas
encontradas no veneno - chamadas peptídeos potenciadores de bradicina
(BPP) -, que causavam hipotensão. Posteriormente, Ferreira e o
pesquisador inglês John Vane (vencedor do Prêmio Nobel de Medicina)
conseguiram criar um protótipo molecular das BPPs, que foi cedido a um
laboratório norte-americano em troca do financiamento de novas
pesquisas.
As cobras do serpentário da USP são usadas exatamente
no desenvolvimento de estudos sobre os tipos de veneno que produzem e
suas possíveis aplicações em novos fármacos.